A AGROECOLOGIA NO PARANÁ

Sociedade paranaense manifesta crescente interesse por alimentos seguros, com qualidade nutricional e isentos de contaminantes

Parte I | IntroduçÃo

O estado do Paraná se encontra na região sul do Brasil e tem uma extensão de quase 200 mil km2 -- pouco mais da metade da Noruega. A diversidade climática e ambiental, além dos bons solos e uma boa disponibilidade de água, embora a distribuição das chuvas nem sempre seja regular, configuram um quadro natural que favorece a produção diversificada de bens e serviços vinculados à agropecuária e ao meio rural.

Este potencial se materializa na expressiva produção agropecuária que coloca o estado em segundo lugar no ranking nacional do Valor Bruto de Produção Agropecuário, tendo alcançado 21 bilhões de dólares em 2020, atrás apenas do Mato Grosso que possui área mais de quatro vezes superior. Esta geração de renda se concentra no cultivo de grãos e na produção animal, voltados à exportação. Boas produtividades são obtidas com o uso intensivo de tecnologias baseadas em máquinas, equipamentos, genética e insumos, químicos na maior parte.

Embora práticas da agricultura conservacionista sejam utilizadas, algumas em grande escala como o plantio direto enquanto outras nem tanto, como no caso do manejo integrado de pragas e doenças e os modelos de integração lavoura-pecuária-florestas, os impactos ambientais e na saúde humana são importantes. 

Parte II | Transcendendo o modelo convencional

O Paraná está entre os estados brasileiros com maior consumo de agrotóxicos e maior número de notificações de intoxicações causadas por eles. As grandes extensões de cultivo de soja, milho, pastagens e outros cereais, transformaram muito a paisagem natural reduzindo drasticamente a biodiversidade.

A cobertura florestal que era de 83,4% da área do estado no final do século XIX, hoje é de 29,1%. Por outro lado, este sistema de produção requer grande capital e é mais eficiente quanto maior a escala, e por isso é concentrador. O número de estabelecimentos no meio rural vem caindo a cada censo agropecuário. No último de 2017 a queda em relação à 2006 foi de 14%. Na distribuição da área, os agricultores familiares, que vivem e trabalham em mais de 80% dos estabelecimentos, possuem apenas 17,8% do total de mais de 26,7 milhões de hectares.

A agricultura familiar, diversificada nas condições socioeconômicas, culturais e do ambiente natural em que se encontra, se dedica majoritariamente ao cultivo de culturas alimentícias, hortaliças, frutas e à criação de animais em pequena escala. Algumas famílias do estrato mais capitalizado se inserem no modelo da produção descrito antes, ou na integração com empresas do agronegócio, sem o sucesso financeiro dos grandes fazendeiros.

Neste cenário de evidente hegemonia do modelo convencional de produção animal intensiva e de monoculturas, com uso de agrotóxicos, transgênicos e fertilizantes solúveis, sustentado por um robusto aparato institucional e político, há uma persistente e crescente mobilização em torno da agroecologia, que se iniciou na década de 1970. Levando em conta a relação harmoniosa com o ambiente e com as pessoas que propõe, a agroecologia é estratégia de produção e consumo evidentemente apropriada para o Paraná. Inicialmente promovida por profissionais e estudantes de agronomia, as iniciativas foram ganhando corpo com o ingresso das instituições públicas ligadas ao meio rural, dos agricultores, movimentos sociais, consumidores e instituições de ensino.

Parte III | AGROECOLOGIA NA PRáTICA

São desenvolvidas no estado ações nas três dimensões da agroecologia: prática, ciência e movimento. Como modo de produção, estima-se que mais de sete mil agricultores adotem princípios e práticas agroecológicas em seus processos. Produtores com certificação orgânica inscritos no Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento são 3546, 15,4% do total do país, o que coloca o Paraná em segundo lugar no ranking nacional, atrás apenas do Rio Grande do Sul que possui 3677. Nos últimos seis anos, a taxa anual de crescimento no número de produtores orgânicos no Paraná foi de 19,1%.

A abordagem científica da agroecologia se desenvolve em ações de pesquisa e ensino. Cursos de nível médio, superior e de pós-graduação em oito universidades estaduais, duas universidades federais, no Instituto Federal do Paraná em instituições de ensino de nível médio, alguns ligados à movimentos sociais, tratam da agroecologia. Alguns são específicos e formam profissionais especializados na agroecologia enquanto outros são de agronomia ou outras áreas com disciplinas voltadas aos princípios agroecológicos. Existem dois cursos de mestrado específicos em agroecologia e outros programas de mestrado e doutorado com vinculação à área. Muitas instituições de ensino possuem Núcleos de Agroecologia que promovem ações de extensão e pesquisa importantes. Dentre vários programas que desenvolvem, um deles, o “Paraná Mais Orgânico”, apoia agricultores familiares no processo de certificação orgânica e vem atuando há mais de dez anos contribuindo para a posição do estado no quadro nacional de produtores certificados ressaltado acima. Em 2012 foi criada a Rede Estadual de Pesquisa em Agroecologia (REPAGRO), constituída por pesquisadores e professores de institutos de pesquisa e ensino, em interação com técnicos da assistência técnica e agricultores, que já realizou três congressos estaduais reunindo debates e trabalhos em torno da agroecologia.

Enquanto movimento social, destaca-se no Paraná a Via Campesina, e dentre outras organizações que a compõem, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Em meio a muitas iniciativas, a Via Campesina e o MST organizam e realizam junto com outros parceiros, desde 2001, a “Jornada de Agroecologia”, um evento que reúne anualmente em média quatro mil agricultores, assentados, técnicos e simpatizantes em debates técnicos, culturais e políticos em torno da agroecologia. Também há Organizações Não-governamentais atuantes tais como a AOPA (Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia), ASSESOAR (Associação de Estudos Orientação e Assistência Rural), o CAPA (Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia) entre outros.

Existem duas câmaras formalmente constituídas e compostas por representantes de organizações públicas e não-governamentais que atuam em conjunto na formulação e articulação de medidas para a promoção da agroecologia. Uma delas é vinculada ao Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar, colegiado misto governo e sociedade presidido pelo Secretário da Agricultura e Abastecimento, e outro ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Está em curso a criação de um grupo de articulação com autonomia e atuação mais enfática na disputa por espaço da agroecologia se espelhando na experiência no âmbito federal da ANA (Articulação Nacional de Agroecologia).

As instituições públicas ligadas à Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento (SEAB) vêm atuando na agroecologia desde a década de 1980, em ações de assistência técnica e extensão rural (ATER) e de pesquisa. De início em iniciativas pontuais que foram evoluindo com a constituição de programas específicos nos órgãos de ATER (EMATER) e pesquisa (IAPAR) até a criação de uma organização para atuação específica em agroecologia, o Centro Paranaense de Referência em Agroecologia (CPRA). Em 2020 EMATER, IAPAR e o CPRA, além de outra empresa pública voltada ao fomento (CODAPAR), foram unidos em uma única instituição, o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná). Apesar do contexto desafiador colocado neste artigo, a expectativa, em parte confirmada neste primeiro ano de existência, é de que a agroecologia ganhe dimensão como resultado da integração da pesquisa e extensão no IDR-Paraná. Além da estação agroecológica CPRA que permanece desenvolvendo capacitação e pesquisa, novas unidades, ainda que menores, estão sendo criadas em outras regiões do estado.

O avanço é esperado pela sociedade paranaense, que manifesta crescente interesse por alimentos seguros pela qualidade nutricional e ausência de contaminantes, e pelo cuidado com a natureza no processo de sua produção, atributos por excelência da agroecologia. Esta expectativa é manifestada pelo aumento de demanda no mercado pelos produtos orgânicos e por uma lei estadual que determina que 100% da alimentação escolar nas escolas públicas seja orgânica até 2030. Um programa abrangente de promoção da agricultura orgânica também foi instituído pela SEAB.

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Parte IV | ALTERNATIVA VIáVEL

É urgente a humanidade encontrar estratégias para obter bens e serviços necessário à sua existência, sem descuidar do ambiente. Caso contrário, outras ameaças, tais como o surgimento do novo coronavírus responsável por esta pandemia que aflige o mundo, poderão ocorrer.

A agroecologia representa uma alternativa de harmonização entre a produção e a conservação. Implica numa profunda mudança de princípios e práticas e, por isso, sua implementação deve considerar o conceito da transição agroecológica, e ocorrer com mudanças paulatinas, em maior ou menor velocidade, mas sempre na direção certa.


Márcio Miranda
Engenheiro Agrônomo, Gerente Estadual de Agroecologia do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná), MSc Tropical Agriculture Development (University of Reading, 1988) e Bolsista do British Council (University of Edinburgh, 1994)

The project Farming for the future: ecological agriculture and food security in the 21st century is a cross-border initiative aiming to document the trends, challenges and opportunities in ecological farming across the world. This project was financed by the UK Chevening Scholarship Programme.